segunda-feira, 11 de abril de 2011

Como é dificil meu Deus...




Engraçado, não gosto do meu quarto — das paredes, do móveis —, mas gosto demais das coisas que posso ver pela janela. Das coisas que estão fora dele, porque o que está aqui dentro eu acho muito parecido comigo. E eu não gosto de mim. Ou gosto? Não sei. Talvez pareça não gostar justamente porque gosto muito, então exijo demais de meu corpo, e as coisas erradas que ele faz — são tantas! — me fazem detestá-lo. A gente sempre exige mais das pessoas e das coisas que quer bem, as que queremos mal ou simplesmente não queremos nos são indiferentes.



A chuva serviu de pretexto para não ir à aula. De qualquer maneira, mesmo que não estivesse chovendo, eu não iria. Só que teria que mentir. Pegar os livros, ficar caminhando durante horas pela beira do rio, pela minha praça ou pelas ruas do centro. Tenho faltado muito. E papai e mamãe vão descobrir de qualquer jeito. Mas não me importa. Quero, um dia, não me importar com elas, nem com o que possam pensar ou dizer, nem com qualquer outra pessoa. Ah, como eu queria ser eu mesmo, por um dia, uma hora que fosse. Mais como é difícil, meu Deus, como é difícil.


Invejo a coragem de Marlene, que abandonou os pais e foi viver sozinha num apartamento. Não consigo me imaginar morando longe deles, numa mesma cidade. Eles tomaram conta de mim, dos meus pensamentos, tenho a impressão de que são mais do que eu mesmo. Seria necessário um esforço muito grande para me libertar deles. Seria como arrancar um braço, uma perna. Porque a coisas e a pessoas que fazem parte da minha vida vão aos poucos entrando em mim, depois de algum tempo já não sei dizer o que é meu e o que é delas. Mesmo assim, bem no fundo, há coisas que são só minhas. E embora me assustem às vezes, é delas que mais gosto. Como essa vontade de acabar com tudo, que me dá de vez em quando.




Caio

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